A mulher e a lei

Sofro violência e minha família não me deixa denunciar

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Publicado em 19/06/2017 às 7:00
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''Há casos ainda mais graves, onde a família não quer que a mulher se afaste do agressor porque ele tem uma boa condição financeira'', diz Gleide Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Caros leitores,

No artigo de hoje falarei sobre uma situação vivenciada por diversas mulheres que sofrem violência doméstica, a de não ter o apoio da família. Em muitos casos a mulher já vive o ciclo da violência desde a infância, vendo a mãe sofrer todos os tipos de violência doméstica. Com isso, na fase adulta ela repete a mesma história da mãe, sofrendo violência. Quando ela tenta romper esse ciclo, buscando ajuda na família, ela ouve da mãe que casamento é assim mesmo e que todo homem é igual, desencorajando a filha a buscar ajuda para mudar de vida e se afastar do agressor.

Mas, há casos ainda mais graves, onde a família não quer que a mulher se afaste do agressor porque ele tem uma boa condição financeira e dá conforto a toda a família. Mesmo sabendo que a mulher sofre violência psicológica e física, os familiares tentam convencê-la de que vale a pena continuar com o agressor e demonstram os ganhos matérias que ela tem na relação conjugal.

Esse é o caso de Catarina (nome fictício) que casou com Daniel (nome fictício) aos 18 anos de idade. Ela hoje está com 34 anos e me relatou sua história de vida, quase toda marcada por dores, humilhações e espancamentos. Uma história que só os familiares de Catarina sabem, porque para a sociedade Daniel é um empresário bem sucedido, educado, o homem ideal para muitas mulheres.

A VERDADEIRA FACE DE DANIEL: VIOLENTO, AGRESSOR E DOMINADOR

Quando conheci Catarina, vi uma mulher bonita, bem cuidada, com roupas caras, que trazia uma tristeza nos olhos. De imediato ela começou a chorar compulsivamente. Depois de uns cinco minutos de choro, ela foi se recompondo e se equilibrando. Quando ela parou de chorar, olhou para mim e disse, “eu tenho muita vergonha de mim e da minha vida”. Inicialmente, fiquei sem entender o motivo pelo qual aquela moça tão jovem estava tão desencantada com a vida.

Começamos a conversar, e Catarina foi narrando sua história de vida, “nasci em uma família pobre e minha mãe criou os dois filhos sozinha. Meu pai nos abandonou muito cedo. Sempre chamei a atenção das pessoas pela minha beleza, e isso sempre atraiu muitos homens. Com 16 anos conheci Daniel, um homem rico, empresário, dono de diversos estabelecimentos comerciais em nossa cidade. Ele me levava para lugares lindos que nunca tinha conhecido. Quando fiz 17 anos, ele me fez uma surpresa com uma viagem para a Europa. Ele me levou junto com minha mãe e meu irmão. Passamos 20 dias passeando por diversos países, e compramos muitas coisas, tudo o que queríamos ele comprava. Essa era a viagem dos sonhos de qualquer mulher. Eu estava muito feliz, Daniel era o homem que toda a mulher sonhava, bonito, rico, gentil, romântico”.

Na conversa, Catarina disse que quando fez 18 anos, Daniel a pediu em casamento. A festa foi um grande evento social, com diversas personalidades e artistas da sociedade. Eles foram morar em um apartamento no bairro mais nobre da capital e passeavam muito. A mãe de Catarina (D. Lúcia) foi morar com o filho em uma casa confortável comprada por Daniel, e todos viveram bem por cerca de dois anos.

A transformação de Daniel ocorreu quando Catarina fez 20 anos e ficou grávida. Ela relembra, “quando eu disse que estava grávida notei que Daniel não ficou muito feliz. Estranhei a reação dele, inclusive comentei com minha mãe. Mas ela disse que homem é assim mesmo, não tem muito sentimento. Durante a gravidez Daniel começou a chegar tarde em casa, muitas vezes com cheiro de bebida alcoólica. Sempre que eu reclamava, ele gritava comigo dizendo que chegava em casa na hora que quisesse. E as coisas foram piorando. Tinham dias em que ele não voltava para casa, dormia fora. Chorei e sofri por toda a minha gravidez, e minha mãe sempre me dizendo que depois que o filho nascesse, ele voltava ao normal”.

Catarina deu a luz a um lindo menino que tem o mesmo nome do pai. Depois que teve o filho, Catarina foi com a mãe em várias clínicas de estética, e em dois meses já estava com o mesmo corpo e beleza. Mas Daniel não voltou a ser o marido amável e romântico. As brigas e traições foram aumentando, chegando ao ponto de Daniel espancar Catarina com chutes e pontapés por todo o corpo. Ela relata, “desesperada liguei para minha mãe e para o meu irmão que foram correndo para minha casa. Daniel já tinha saído e eu estava com vários hematomas e chorando muito. Minha mãe me colocou no chuveiro, colocou gelo no meu rosto e pedi para que ela me levasse ao hospital para me medicar. Para minha surpresa ela e meu irmão disseram que era melhor eu não ir, pois os médicos poderiam desconfiar de agressão e chamar a policia. Olhei para minha mãe e disse que era o certo, que a polícia deveria saber o que ocorreu. Nessa hora, meu irmão olhou para mim e disse, olha essa casa, o seu carro, as joias que você tem. Se você denunciar, vai perder tudo. E minha mãe completou, e ele ainda vai te colocar para fora, sem nada, e ainda vai deixar de pagar as nossas contas, será uma desgraça para toda a família. Faça de conta que nada disso aconteceu”.

E terminei minha conversa com Catarina perguntando como está à vida dela hoje, e ela me respondeu, “para diminuir as agressões, minha mãe foi morar conosco. Mas as agressões continuam, ele não respeita ninguém, e ainda diz que a casa é dele e que se minha mãe achar ruim, que vá embora. Refleti muito sobre tudo o que ocorreu em minha vida e cheguei à conclusão de que se eu denunciar Daniel à polícia, minha mãe e meu irmão não irão me apoiar. Ficarei sozinha e não tenho como sustentar meu filho sozinha. Diante da situação, é melhor viver de aparência, onde todos acham que somos um casal perfeito e felizes, já me acostumei com isso”.

Amigas, é muito difícil escutar uma história dessas de uma mulher jovem, bonita, inteligente e saudável. Catarina sofreu tanta violência domestica que desistiu da vida. As pessoas que tinham obrigação de ajudá-la, que é a mãe e o irmão fizeram justamente o inverso. Eles não querem que Catarina se afaste de Daniel para não perderem o conforto que Daniel proporciona a toda à família. Para eles, não importa o preço que Catarina pague por esse conforto, inclusive com a vida. Ela poderá ser uma vítima de feminicídio.

Por isso, é importante que as mães protejam as filhas de homens agressores e dominadores. Mas, se isso não estiver ocorrendo, as mulheres devem buscar ajuda com os amigos, com vizinhos, e principalmente procurar orientação nos Centros de Referencia. No Centro, ela terá o tratamento adequado e ficará fortalecida. Mesmo sem o apoio da família, a mulher terá condições de tomar a atitude de denunciar e romper o ciclo da violência.

Se você está passando por esse tipo de problema, vá até um Centro de Referência da Mulher, se oriente e fortaleça. Você não precisa repetir a história de vida da sua mãe. Não ache que é normal e natural que um agressor espanque a mulher. Não permita que ninguém te humilhe e te agrida. Você pode caminhar sozinha em busca da sua felicidade. O respeito é fundamental em qualquer relacionamento. Levante a cabeça, procure ajuda com os profissionais especializados e siga em frente. O maior conforto que você pode ter na sua vida é a sua liberdade. Então se ame e se respeite. Tenha a liberdade de escolher ser feliz.

Você não está sozinha. Veja onde procurar ajuda:

Centro de Referência Clarice Lispector – (81) 3355.3008/ 3009/ 3010
Centro de Referência da Mulher Maristela Just - (81) 3468-2485
Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon - 0800.281.2008
Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107
Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187
Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal - 180
Polícia - 190 (se a violência estiver ocorrendo) - 190 MULHER

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