Educação

Preparação evolutiva, alfabetização construída com a criança

Fabíola Blah
Fabíola Blah
Publicado em 06/08/2019 às 7:00
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"Ler não é decifrar, escrever não é copiar" é uma frase da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro que bem descreve seus estudos e a revolução que eles causaram no processo de alfabetização em vários países. “Psicogênese da Língua Escrita”, livro assinado com a pedagoga espanhola Ana Teberosky e publicado em 1979, não descreve um método, mas como se dá o aprendizado das crianças. O resultado revolucionou metodologias e o ensino da leitura e da escrita nunca mais foi o mesmo.

Método usa o conhecimento da criança no processo de alfabetização / Foto: Divulgação

Método usa o conhecimento da criança no processo de alfabetização Foto: Divulgação

A Preparação Evolutiva é um trecho desse livro vivenciado no dia a dia da Educação Infantil do Colégio GGE, que exemplifica, na prática, o quanto o respeito às fases do aprendizado das criança é importante para a sua formação. No dia a dia, é o desenvolvimento do aluno quem guia o aprendizado, indo do desenvolvimento motor, nos dois primeiros anos, seguindo pela escalada do processo de letramento.

“Emilia desvenda os mecanismos pelos quais as crianças aprendem a ler e a escrever e isso é muito nítido da prática”, diz a diretora pedagógica da Educação Infantil e do Ensino Fundamental 1 do GGE, Anabelle Veloso. Anabelle conta que a Preparação Evolutiva inicia-se no Infantil 1 e segue até o 1° ano do Ensino Fundamental, e não usa a memorização - é eficiente porque parte do que a criança sabe para conduzir o aprendizado. “É muito esclarecedor para o profissional, porque compreendemos em que fase o aluno está e o que ele é capaz de compreender. Isso direciona o olhar”.

Pode-se usar como exemplo um livro com um rato na capa. Primeiro, a criança visualiza o rato, “lê” que a história é sobre o animal, e vai desenvolver seu próprio repertório a partir desses estímulos. “É como Emilia diz: eles precisam primeiro interpretar essa noção do mundo, a partir do que já sabem, mesmo tão pequenos. Entendem o que é um livro, a história, e essa progressão visual faz parte do processo de ensinar que ler é importante para a vida deles. Nesse momento, as crianças precisam estar imersas no processo da leitura”, explica a gestora pedagógica do GGE, Nayana de Paiva.

Emilia Ferreiro escreve que toda criança passa por quatro fases até ser alfabetizada. Na primeira, a pré-silábica, ainda não relaciona as letras aos sons falados; na seguinte, a silábica, interpreta as letras do seu jeito e atribui a elas sons de sílabas. A terceira é a silábico-alfabética - quando já consegue, por conhecimento anterior, identificar algumas sílabas - que antecede a alfabética, quando, por fim, a criança domina letras e sílabas. Foi desvendando esses mecanismos pelos quais se dá o processo de leitura e escrita de uma criança que “Psicogênese da Língua Escrita” levou os educadores a reverem seus métodos. 

“Sabemos que as crianças passam por uma fase inicial de reconhecimento das letras, sabem os nomes, que existe uma comunicação. Então, ela entra no realismo nominal (uma característica do pensamento infantil em função do qual a criança expressa dificuldades em dissociar o signo da coisa significada, segundo Jean Piaget), cria uma hipótese de pensar que a quantidade de letras está relacionada ao tamanho daquilo que ela quer escrever”, descreve Anabelle. Funciona assim: se a criança quer escrever “formiga”, ela entende que a palavra é pequena, com poucas letras, porque a formiga é pequena. Se quer escrever “elefante”, a palavra é grande porque o elefante é grande. “Normalmente, escrevem do jeito delas, com muitas ou poucas letras e repetindo letras do próprio nome. É uma hipótese que a criança desenvolve e uma fase que deve ser respeitada”, descreve Anabelle.

Não necessariamente as crianças passam por uma sequência exata dessas fases descritas, mas a escola, a exemplo do GGE, faz o acompanhamento desde o Infantil 4 para que atividades sejam direcionadas de modo a fazer as crianças evoluírem para a etapa seguinte. “Até então, esse realismo nominal, no início, era desconsiderado. Mas é fato que as crianças passam por essas fases, a seguinte vem mais cedo. No GGE, a gente estimula muito a leitura, com acesso a livros, com o projeto pedagógico Ciranda Literária. Quanto mais a criança é exposta a esse processo de alfabetização, melhor aprende. E teremos um leitor competente ao final do Ensino Fundamental. O respeito por uma fase para que a próxima possa ser alcançada é primordial: a criança segue de forma consistente  e isso vai impactar positivamente durante toda a vida”, completa Nayana.

E no Fundamental?

Olhando pelo viés pedagógico, a Educação Infantil converge para o processo de alfabetização que só é plenamente concluída no 9° ano do Ensino Fundamental. Findos os cinco anos da Educação Infantil, a criança segue com conhecimentos de leitura e escrita previamente formatados em busca da fluidez que o exercício da leitura e da escrita proporcionam.

Anabelle explica que no GGE o processo de alfabetização começa aos 3 anos de idade, quando a criança começa a escrever o próprio nome e passa a ser estimulada em relação à escrita de outras palavras. “E a ideia é que ao fim do Infantil 5, que é o término da Educação Infantil, a criança esteja lendo palavras simples, vogal-consoante-vogal, e que a criança possa ser estimulada à fluência da leitura. As crianças já chegam pré-prontas para a leitura”, atesta.

A escrita, que começou com a letra bastão - a letra de imprensa grande, mais fácil e de traços retos - passa para o formato cursivo. A letra cursiva requer muita habilidade, é o resultado da preparação motora iniciada na Educação Infantil, que chega à motricidade fina. Começa pelo que é mais fácil para a criança, que é a bastão. Ela é escrita separadamente: primeiro escreve o A, depois o B, depois outro A para escrever ABACATE. Isso faz a criança perceber que a palavra tem unidades menores, letras, sílabas. A letra cursiva, mais ‘coladinha’, faz com que a criança as aglutine. Coordenadora pedagógica da Educação Infantil do GGE, Amanda Rangel explica também que há estudos que indicam que a letra cursiva estimula áreas do cérebro que desenvolvem melhor a concentração e a atenção. “Essa letra cursiva não vai chegar do nada, existe um trabalho que começa lá atrás para que a criança vá aprendendo”. 

Segundo Anabelle, para o processo de entendimento da alfabetização, a letra bastão é “esclarecedora, além de ser mais fácil o traçado” - é o respeito às etapas da Preparação Evolutiva, como descrito por Emilia Ferreiro. “A gente começa a escrita aqui no GGE aos 3 anos e o aluno fica até os 5 escrevendo essa letra bastão. Quando ela tem bastante autonomia nessa escritas, atividades psicomotoras são iniciadas no processo dessa escrita cursiva”.

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